Capacitista em desconstrução: Um guia para transformar seus preconceitos em oportunidades de inclusão
Por Alex Duarte
O Capacitismo nasce através do nosso julgamento pela capacidade das pessoas com deficiência, e assim como todo preconceito consciente e identificado, desconforta e incomoda, como uma pedra no sapato.
Essa obra é para todos que desejam se tornar capacitistas em desconstrução, reconhecendo que as atitudes conscientes e as que não são, dificultam a vida das pessoas com deficiência e nos impedem de aprendermos a celebrar as diferenças.
O que eu quero compartilhar com você são os resultados das minhas falhas, propondo uma desconstrução de tudo aquilo que aprendi sobre deficiência e a maneira como essa mudança pode influenciar a sociedade, a ciência o mundo corporativo e a educação.
Todos os preconceitos fazem parte de uma estrutura, certo?
Há uma grande dificuldade em lidar com as diferenças, dando origem ao preconceito e a todas as formas de discriminação.
Quem dita ou reforça os padrões culturais e estabelece as normas são os grupos e as instituições com capacidade de influenciar a sociedade, ou seja, a escola, a família, os amigos, os meios de comunicação . . . as pessoas. O Capacitismo é consequência de pessoas. Portanto, se o produzimos, somos capazes de combatê-lo.
Talvez não saiba, mas ao longo dos séculos o homem já convivia com a deficiência. A condição recebeu dois tipos de tratamento quando se observa a História: de um lado, rejeição e eliminação; do outro, a proteção assistencialista e caridosa.
Foi assim que eu aprendi a excluir pessoas com deficiência, assistindo uma sociedade que me ensinou a não os enxergar.
Um quarto da população brasileira possui algum tipo de deficiência, o que representa 24 % da sociedade. No mundo, são mais de 1 bilhão de pessoas. Uma a cada sete nascem com deficiência, segundo o IBGE. Chico é um deles. Diagnosticado ainda na infância com espectro do autismo, ele contrariou uma estatística fixa na época de que pessoas com deficiência não deveriam estar em escolas regulares ou espaços comuns. Por isso, a maioria de nós não teve a chance e nem o privilégio de conviver com pessoas com síndrome de Down, de serem amigos de autistas, confidentes de pessoas com paralisia cerebral ou ter um amor com deficiência visual.
Observe a linha do tempo:
~ IDADE ANTIGA: a pessoa com deficiência deve ser extinta.
~ IDADE MÉDIA: a crença religiosa de que pessoas com deficiência eram / deveriam ser castigadas por Deus.
~ RENASCIMENTO: Pessoa com deficiência era digna de piedade, pena.
~ ÍNICIO DO SÉCULO 20: Modelo médico, ou seja, busca pela normalidade. É necessário superar a deficiência ou achar uma cura.
~ MEADOS DO SÉCULO 20: Práticas eugenistas: Milhares de pessoas com deficiências eram mortas.
~ ANOS 70 A 2000: a deficiência está no contexto, ou seja, as barreiras é que precisam ser superadas (direitos humanos).
A triste realidade é que a pessoa com deficiência nunca teve sua história contada de forma positiva, justamente porque lhe faltou o direito de falar, de ser e decidir.
A única forma de vencer meus pensamentos preconceituosos foi através da convivência.
É mais difícil pessoas sem deficiência se interessassem pela inclusão, até que compreendam os seus benefícios. Na linha contrária do desinteresse estão os familiares, profissionais da área e as pessoas com deficiência, que partilham dos mesmos interesses e diariamente travam uma luta pelos direitos e igualdade.
É impossível falar sobre o nosso capacitismo sem pensar no padrão corporal ideal que aprendemos. Essa uniformização tem nome, e é chamada de corponormatividade (able – bodiedness), que considera determinados corpos como inferiores ou passíveis de reparação quando comparados aos “padrões aceitos”. Esta postura preconceituosa que hierarquiza as pessoas em função da acomodação dos seus corpos é uma categoria que define a forma como as pessoas com deficiência são tratadas como incapazes ou inaptas.
Não é fácil mudar aquilo que te ensinaram desde que você nasceu, mas é completamente possível desde que exista vontade e interesse.
Uma pesquisa divulgada pelo jornal inglês “The Independent” indicou que um em cada quatro britânicos evita conversar com pessoas com deficiência alegando “medo de ofender”, por “sentir-se desconfortável” ou por “não saber o que falar”. Este desconforto está diretamente ligado à nossa falta de conhecimento e experiências com a diversidade, consequência da maneira como condicionamos nosso cérebro a responder sobre aquilo que é diferente de nós. Esse é um dos resultados da falta de convivência com pessoas com deficiência.
Uma vez que pessoas com mobilidade reduzida não tenham condições de frequentar lugares públicos devido à falta de acessibilidade, é lógico que ninguém vê pessoas com deficiência nesses lugares, criando a ilusão de que essas elas não existem ou que não servem para frequentar certos espaços.
Lamento te dizer, mas ser capacitista significa continuar sendo essa pessoa que você sempre foi: que excluiu ou não conviveu com pessoas com deficiência; que virou as costas, que fingiu não se importar.
CRENÇA 1 Você fica surpreso quando uma pessoa com deficiência tem um diploma profissional, é casada (o), tem filhos, um emprego, ou faz algo que outros fazem. Você enxerga esta pessoa com deficiência como uma inspiração para a sua vida. Qual a crença capacitista? Ele não é capaz. Essa crença é uma das mais comuns, e subestima a capacidade de uma pessoa em função de sua deficiência. A crença reduz a pessoa à condição funcional do corpo, excluindo outras características que, juntas, compõem sua identidade.
CRENÇA 2 Você age com excesso de simpatia e carinho com PCDs, tomando inclusive decisões por eles. Qual a crença capacitista? Pessoas com deficiência não sabem se proteger / Eles não podem se tornar adultos e autônomos. A autonomia depende de muitos aspectos e isso vale para todos. Observamos que as pessoas têm mais comportamentos de superproteção e infantilização na relação com quem possui uma deficiência, e isso é extremamente prejudicial e preconceituoso. Pessoas com deficiência podem atingir o potencial de autonomia de acordo com o seu potencial e tempo. Substitua essa crença por: Pessoas com deficiência aprendem a se proteger / Eles podem se tornar adultos e autônomos.
CRENÇA 3 Você descobre que sua amiga vai ter um filho com deficiência. Ao invés de parabeniza-la pelo nascimento, você lamenta.
No meu último livro “Como empoderar pessoas com deficiência” identifiquei a superproteção como uma das formas mais danosas de capacitismo e como ela se apresenta nas relações familiares, inconscientemente. Assim como a superproteção, as diversas formas de capacitismo no lar são frutos do modelo de mundo que exige a perfeição e a “normalidade” das pessoas. Esse padrão é capaz de despertar comportamentos e sentimentos capacitistas nas famílias, quando um filho não nasce no “padrão esperado”.
O capacitismo estrutural sempre existiu. Ele é um dos responsáveis por colocar a família em uma posição inferior na sociedade, ao classificar o nascimento de uma criança com deficiência como um ser que não é bem-vindo. Em um questionário realizado com 6 mil famílias no Instagram do Cromossomo 21, para fim de pesquisa neste livro, perguntei o que eles sentiram quando descobriram o diagnóstico e a deficiência (o) do filho. As respostas que mais apareceram foram: 1. Medo 2. Insuficiência (Medo de não dar conta) 3. Julgamento (O que vão pensar, e seu eu errar, meu filho vai sofrer com o preconceito) 4. Insegurança (não estou preparado (a), falta de conhecimento) 5. Incerteza do futuro (quando eu morrer, com quem ele vai ficar? Será que ele vai aprender?) 6. Vergonha (o que as pessoas vão pensar?) 7. Culpa
FORMAS DE CAPACITISMO NA FAMÍLIA
~ Infantilizar o filho com deficiência, independentemente da idade que ele tenha;
~ Aceitar as limitações “indicadas” pelos profissionais de saúde e educação;
~ Não oportunizar experiências para o filho nas diversas etapas da vida (passeios, decisões individuais, viagens), por medo, proteção ou preconceito;
~ Quando um pai faz pelo filho presumindo que ele não seja capaz – Eu presumo que meu filho não é capaz de cortar um bife e faço por ele;
~ Achando que meu filho não seja capaz de ter autonomia, eu não ofereço os estímulos e as crenças para que ele acredite;
~ Quando eu presumo incapacidade do meu filho para que ele fique em casa, apenas para receber o BPC – benefício da assistência social, integrante do Sistema Único de Assistência Social;
~ Quando um pai relata suas dores na internet, envolvendo situações que possam desumanizar este filho;
~ Idealizar o filho “normal e “perfeito”;
~ Achar que o filho com deficiência dá mais trabalho ou sobrecarrega a minha vida;
~ Infantilizar (na forma de falar, nos limites e impedimentos que eu coloco);
~ Quando a família do pai e da mãe (tios, primos, etc) não se relacionam com este parente com deficiência;
~ Fala sobre as minhas dificuldades na minha frente, pressupondo que eu não entenda.
Para a pesquisa deste livro, ouvi 30 professores da rede pública e privada e as dificuldades mais citadas foram: 1. Falta de preparo; 2. Impaciência; 3. A escola não está pronta para recebê-lo; 4. Insegurança; 5. Preciso trabalhar mais e o Estado continua me pagando o mesmo salário; 6. Deficiências mais complexas não se adaptam no ensino regular.
FORMAS DE CAPACITISMO NA ESCOLA
~ recusa de matrícula em razão da deficiência;
~ Currículo escolar ultrapassado, que só atende pessoas comuns, ou seja, que só serve para nivelar o conhecimento;
~ a partir apenas do diagnóstico, sugerir que a escola não está preparada para receber o aluno com deficiência;
~ rotular os alunos a partir do diagnóstico clínico, sem levar em consideração a pessoa que está ali;
~ a máxima: “na turma, temos 28 alunos e um cadeirante”;
~ separação de alunos com e sem deficiência;
~ Dizer que o problema está no aprender da criança com deficiência, sem reconhecer a sua falta de habilidade para ensinar pensando na diversidade humana;
~ Professor pré-julgar a capacidade de um aluno com deficiência, como em atividades de esporte, gincanas culturais, posições de liderança e limitar a participação nesta questão;
~ Contra turno obrigatório – Por eu ter uma deficiência sou ali sou obrigado a frequentar todas as aulas de reforço.
~ Usar mediador para isolar o aluno com deficiência;
~ entender que a escola comum só serve para socializar
~ não abordar o tema da inclusão com outros alunos;
~ quando o professor passa a atividade para turma e para a pessoa com deficiência passa outra atividade;
~ quando você é excluído das atividades das escolas (passeios, jogos, etc, e coloca a culpa na falta de adaptação ou na própria deficiência);
~ quando as amizades do colégio não acontecem fora do portão da escola.
FORMAS DE CAPACITISMO NAS EMPRESAS E NO MERCADO DE TRABALHO
~ Contratar uma pessoa com deficiência apenas para cumprir cota ou pagar a multa da legislação e não precisar contratar;
~ Contratar uma deficiência ao invés de um colaborador;
~ Seleção seletiva para a contratação: inconscientemente limito a participação de pessoas com deficiência por preconceito;
~ Você manda o currículo e a empresa nem te chama para a entrevista porque descobriu no seu currículo que você tem deficiência;
~ quando a empresa contrata alguém com deficiência e não oferece nenhum tipo de acessibilidade (física, sensorial ou intelectual);
~ Definição de tarefas (por exemplo: mesmo que esta pessoa com deficiência tenha PHD, ela perde a chance de assumir tal posição porque uma pessoa sem deficiência com a mesma formação é vista em primeiro lugar);
~ tratar o colega com deficiência como um anjo, criança ou como um exemplo de superação por causa da sua condição;
~ ajustar uma só atividade para todos os funcionários com o mesmo diagnóstico;
~ Propor um horário reduzido para todos os funcionários com deficiência;
~ achar que a pessoa com deficiência deve ser menos avaliada do que alguém sem deficiência, por considerá-la café com leite;
~ Dar funções mais operacionais por achar que pessoas com deficiência não dariam conta de outras funções; ~ Limitação no plano de carreira por conta da deficiência;
A empresa Diversidade e Inclusão (D & I) liderada por Flávia, acredita que somente a contratação, sem mudança de atitude e investimento em acessibilidade, identificação das fragilidades capacitistas e trabalhar os vieses inconscientes da liderança, não farão com que as pessoas se sintam parte.
COMO COMBATER O CAPACITISMO NA CIÊNCIA / MEDICINA?
~ Implementar a cadeira de empatia na graduação de Medicina;
~ atualização de todos os temas que se referem à diversidade, do primeiro ao último semestre do curso de Medicina;
~ evitar, ferrenhamente, os conceitos genéricos, o conceito de normalidade, e o foco na limitação em suas abordagens;
~ naturalizar a existência dos corpos com deficiência;
~ repensar o prognóstico;
~ refletir sobre métodos invasivos que buscam “normalizar” o corpo de alguém com deficiência em nome de um padrão estabelecido pela sociedade;
~ Humanizar o atendimento.
Considero que um dos motivos mais relevantes para desconstruirmos é o de expandir e crescer, buscar ser uma pessoa melhor e mais consciente. Se tornar um anticapacitista por completo é impossível, visto que estamos inseridos numa sociedade que ainda reproduz tantos preconceitos. Contudo, buscar ser um anticapacitista é sobre quem você se tornará,
O desafio de desenvolver novas relações e se conectar verdadeiramente com pessoas com deficiência vai aumentar seu nível de habilidades e competências sociais. Você estará gerando novos conhecimentos e vivências e, automaticamente, aprendendo com elas.
Na minha convivência com pessoas com deficiência intelectual, a maior dificuldade foi ter resiliência suficiente para respeitar o tempo do outro falar, raciocinar ou se comunicar. Por diversas vezes, senti que interferi, me distraí ou até atropelei o diálogo, por pura falta de competência em ouvir.
Aquele que não sabe escutar, antecipa respostas, vem com ideias preconcebidas e muitas vezes não deixa o interlocutor se expressar. Há também aquele que está ouvindo de maneira educada, que escuta em silêncio, mas na verdade não está ouvindo, nem concentrado naquilo que a outra pessoa está dizendo.
Eu não nasci capacitista. Uma criança não nasce preconceituosa. O preconceito é ensinado em casa, na escola ou na vida.