A economia dos pobres: Uma nova visão sobre a desigualdade

Banerjee, Abhijit V.; Duflo, Esther
Lido em outubro de 2023


Prefácio

O campo da política contra a pobreza está repleto de detritos de milagres instantâneos que se mostraram nada milagrosos. Para progredir, temos de abandonar o hábito de reduzir os pobres a personagens de desenho animado e dedicar um tempo para de fato compreender suas vidas, em toda a sua complexidade e riqueza. Nos últimos quinze anos, foi exatamente isso que tentamos fazer.

Nosso foco se concentra nos mais pobres do mundo. A linha de pobreza média nos cinquenta países onde a maioria dos pobres vive é de dezesseis rupias indianas por pessoa por dia. Pessoas que vivem com menos do que isso são consideradas pobres pelos governos de seus países. Pela taxa de câmbio atual, dezesseis rupias correspondem a 36 centavos de dólar americano.

Assim, para imaginar a vida dos pobres, você precisa se imaginar morando em Miami ou em Modesto com 99 centavos por dia para quase todas as suas necessidades diárias (menos moradia). Não é fácil; na Índia, por exemplo, a quantia lhe permitiria comprar quinze bananas pequenas, ou pouco mais de um quilo de arroz de baixa qualidade. É possível viver disso? Contudo, em 2005, foi exatamente o que 865 milhões de pessoas no mundo fizeram (13 % da população mundial). O que é surpreendente é que mesmo pessoas assim tão pobres sejam como o restante de nós em quase todos os aspectos. Temos os mesmos desejos e fraquezas; os pobres não são menos racionais do que ninguém — muito pelo contrário. Exatamente porque têm tão pouco, muitas vezes têm de pesar muito cuidadosamente suas escolhas: eles precisam ser economistas sofisticados apenas para sobreviver.

Viver com 99 centavos por dia significa ter acesso limitado à informação — jornais, televisão e livros, tudo custa dinheiro —, portanto muitas vezes você simplesmente desconhece certos fatos que o restante do mundo considera óbvios, como, por exemplo, que vacinas podem impedir que seu filho pegue sarampo.

1. Pense de novo, novamente

Todos os anos, 9 milhões de crianças morrem antes de completar cinco anos de idade. Uma mulher na África subsaariana tem uma chance em trinta de morrer durante o parto; no mundo desenvolvido, a chance é de uma em 5,6 mil. Há pelo menos 25 países, a maioria deles na África subsaariana, onde se espera que uma pessoa viva em média não mais que 55 anos. Somente na Índia, mais de 50 milhões de crianças em idade escolar não conseguem ler um texto muito simples.

Outros estudantes, também escolhidos ao acaso, viram os mesmos dois panfletos depois de serem informados de que as pessoas têm maior probabilidade de doar dinheiro para uma vítima identificável do que quando recebem informações gerais.

A reação dos estudantes é típica de como a maioria de nós se sente quando confrontados com problemas como a pobreza. Nosso primeiro instinto é ser generoso, especialmente ao encarar uma menina de sete anos em perigo. Mas, como os estudantes da Pensilvânia, nosso segundo pensamento é muitas vezes que doar não faz sentido: nossa contribuição seria uma gota no balde, e o balde provavelmente vaza. Este livro é um convite a pensar de novo, novamente: afastar – se do sentimento de que o combate à pobreza é avassalador demais e passar a pensar na questão como um conjunto de problemas concretos que, devidamente identificados e compreendidos, podem ser resolvidos um de cada vez.

A melhor aposta para os países pobres é confiar numa ideia simples: quando os mercados são livres e os incentivos são corretos, as pessoas podem encontrar maneiras de resolver seus problemas. Elas não precisam de esmolas, de estrangeiros nem dos próprios governos. Nesse sentido, os pessimistas da ajuda são, na verdade , bastante otimistas quanto à maneira como o mundo funciona. De acordo com Easterly, as tais armadilhas da pobreza não existem .

Ruanda, por exemplo, recebeu muito dinheiro de ajuda nos anos imediatamente posteriores ao genocídio e prosperou. Agora que a economia está se desenvolvendo, o presidente Paul Kagame começou a desatrelar o país da ajuda externa. Devemos contar Ruanda como um exemplo do bem que auxílios podem fazer (como Sachs sugere), ou como um exemplo da autoconfiança (como Moyo o apresenta)? Ou ambos?

O fato é que os debates intermináveis sobre os erros e acertos da ajuda muitas vezes obscurecem o que realmente importa : não tanto de onde vem o dinheiro , mas para onde vai .

Muitas pessoas também concordariam com Amartya Sen, o economista – filósofo ganhador do prêmio Nobel, de que a pobreza leva a um desperdício intolerável de talento. Segundo ele, pobreza não é só falta de dinheiro: é não ter a capacidade de realizar todo o potencial de um ser humano. Uma menina africana pobre provavelmente frequentará a escola por no máximo uns poucos anos, mesmo que seja genial, e certamente não receberá nutrição para ser a atleta de nível mundial que poderia ser ou terá dinheiro para abrir um negócio, se tiver uma ótima ideia.

O que temos hoje determina quanto comemos, quanto gastamos em remédios ou na educação dos filhos, se podemos comprar fertilizante ou sementes melhoradas para nossa fazenda, e tudo isso determina o que teremos amanhã .

Mas também há muitas pessoas que sempre se sentiram impotentes diante dessa urgência irracional. Elas sentem, como nós, que o melhor que se pode fazer é compreender profundamente os problemas específicos que afligem os pobres e tentar identificar as formas mais eficazes de intervir .

Este livro se baseia nesse conjunto de conhecimentos. Grande parte do material sobre o qual falaremos vem de ERCS realizados por nós e outros estudiosos, mas também fazemos uso de muitos outros tipos de dados: descrições qualitativas e quantitativas de como vivem os pobres, investigações sobre o funcionamento de instituições específicas e uma variedade de evidências sobre quais políticas são de fato efetivas. No site (em inglês) que acompanha o livro, fornecemos links para todos os estudos que citamos, ensaios fotográficos que ilustram cada capítulo e extratos e gráficos de um conjunto de dados sobre os aspectos – chave da vida daqueles que vivem com menos de 99 centavos por dia em dezoito países , aos quais nos referiremos muitas vezes neste livro.

2. Um bilhão de pessoas famintas?

A entrega de alimentos em grande escala é um pesadelo logístico. Na Índia , estima-se que mais da metade do trigo e mais de um terço do arroz se “ perdem ” ao longo do caminho, inclusive uma boa fração que é comida por ratos. Se os governos insistem nesse tipo de política, apesar do desperdício, não é apenas porque se pressupõe que a fome e a pobreza andem juntas: a incapacidade dos pobres de se alimentarem adequadamente é também uma das causas de armadilha da pobreza citada com mais frequência. A intuição é poderosa: os pobres não têm recursos para comer o suficiente; isso os torna menos produtivos e os mantém pobres .

Uma razão pela qual a armadilha da pobreza pode não existir é que a maioria das pessoas tem o suficiente para comer. Pelo menos em termos de disponibilidade de alimentos, vivemos atualmente num mundo capaz de alimentar todas as pessoas que vivem no planeta .

Existe fome no mundo de hoje, mas somente devido à maneira como a comida é compartilhada entre nós. Não há escassez absoluta. É verdade que se eu comer muito mais do que preciso ou, o que é mais plausível, transformar mais milho em biocombustíveis para que eu possa aquecer minha piscina, então haverá menos para todos os outros.

Como mostrou Amartya Sen, as fomes mais recentes não foram causadas pela indisponibilidade de alimentos, mas por falhas institucionais que levaram à má distribuição dos alimentos disponíveis, ou mesmo pelo acúmulo e armazenamento em face da fome em outros lugares.

Há muito tempo se debate se isso ocorre porque a altura realmente importa para a produtividade — poderia ser discriminação contra pessoas mais baixas , por exemplo. Mas um artigo recente de Anne Case e Chris Paxson fez algum progresso em descobrir o que explica essa relação . Eles mostram que no Reino Unido e nos Estados Unidos o efeito da altura é inteiramente explicado por diferenças no QI: quando comparamos pessoas que têm o mesmo QI, não há relação entre altura e ganho. Na interpretação deles, isso mostra que o que importa é uma boa nutrição na primeira infância: em média, os adultos que foram bem nutridos quando crianças são mais altos e mais inteligentes. E é porque são mais inteligentes que ganham mais.

Por conseguinte, não é surpresa que, na escolha de seus alimentos, os pobres levem mais em conta o sabor do que preços baratos e valores nutricionais.

E o mal peculiar dessa situação é que quanto menos dinheiro você tem menos inclinado você se sente a gastá-lo em comida saudável. Um milionário pode desfrutar de seu breakfast com suco de laranja e biscoitos integrais; o desempregado não. [ … ] Quando você está desempregado, ou seja, quando está subnutrido, escorraçado, entediado e muito infeliz, não quer comer uma comida saudável e sem graça. Quer alguma coisa um pouquinho “ gostosa ”. Há sempre alguma tentação agradável e barata.

Os benefícios de uma boa nutrição podem ser particularmente fortes para dois grupos de pessoas que não decidem o que comer: bebês por nascer e crianças pequenas.

Como vimos na Índia, os pobres não comem mais nem melhor quando sua renda aumenta; existem muitas outras pressões e desejos competindo com a comida. Em contraste, os retornos sociais de investir diretamente na nutrição de crianças e mães grávidas são enormes. Isso pode ser feito pela doação de alimentos fortificados para mães grávidas e pais de crianças pequenas, pelo tratamento das crianças com vermes na pré-escola ou na escola, pelo fornecimento de refeições ricas em micronutrientes, ou mesmo por incentivos aos pais para o consumo de suplementos nutricionais.

Existem exemplos disso no mundo todo , impulsionados por organizações como a Micronutrient Initiative e a HarvestPlus: uma variedade de batata – doce laranja (mais rica em betacaroteno do que o inhame nativo), adequada para a África, foi recentemente introduzida em Uganda e em Moçambique. Um novo sal, fortificado com ferro e iodo, está agora aprovado para uso em vários países , inclusive na Índia. Mas há demasiados casos em que a política alimentar permanece presa à ideia de que tudo de que os pobres precisam são grãos baratos.

3. Soluções fáceis para melhorar a saúde (mundial)?

Saúde é uma área de grandes promessas, mas também de grandes frustrações. Parece haver um monte de “ soluções fáceis ” disponíveis, de vacinas a mosquiteiros , que poderiam salvar vidas a um custo mínimo, mas pouquíssimas pessoas fazem uso dessas tecnologias preventivas.

Há outros exemplos de investimentos em saúde altamente eficazes. O acesso a água potável e saneamento básico é um deles. No geral, em 2008 , de acordo com estimativas da OMS e do Unicef, aproximadamente 13 % da população mundial não tinha acesso a fontes de água melhoradas (o que significa normalmente uma torneira ou um poço ) e cerca de um quarto não tinha acesso a água segura para beber . E muitas dessas pessoas são os muito pobres. Em nosso conjunto de dados de dezoito países, o acesso à água encanada em casa entre os extremamente pobres rurais variava de menos de 1 % (na zona rural do Rajastão e de Uttar Pradesh , na Índia) a 36,4 % (na Guatemala).

Estima-se que com a canalização de água não contaminada e clorada para as residências é possível reduzir a diarreia em até 95 %. A má qualidade da água e poças de água estagnada também são uma causa de outras doenças importantes , entre elas malária, esquistossomose e tracoma, que podem matar crianças ou fazer delas adultos menos produtivos .

A questão, portanto, não é quanto os pobres gastam com saúde, mas em que esse dinheiro é gasto , que muitas vezes é em curas caras, em vez de prevenção barata. Para tornar os cuidados de saúde menos caros, muitos países em desenvolvimento têm oficialmente um sistema de triagem para garantir que serviços curativos básicos (geralmente gratuitos) estejam disponíveis para os pobres relativamente perto de suas casas.

O que está acontecendo? Por que os pobres às vezes rejeitam o saneamento básico barato — a maneira fácil e barata de melhorar drasticamente a saúde das pessoas — em favor de gastar muito dinheiro em coisas que não ajudam e podem, na verdade, causar danos ? Os governos são os culpados? Uma parte da resposta é que muitos dos ganhos baratos estão na prevenção, e a prevenção tem sido tradicionalmente a área em que o governo é o principal ator. O problema é que os governos têm uma maneira de tornar as coisas fáceis mais difíceis do que deveriam ser. As altas taxas de absentismo e a baixa motivação entre os provedores de saúde pública são certamente duas das razões pelas quais não vemos uma maior prestação de cuidados preventivos .

Em 2002 – 3, o Banco Mundial realizou uma Pesquisa Mundial de Absentismo em Bangladesh , no Equador , na Índia , na Indonésia , no Peru e em Uganda e descobriu que a taxa média de absentismo de trabalhadores da saúde ( médicos e enfermeiras ) era de 35 % ( 43 % na Índia ). Em Udaipur, descobrimos que essas ausências também são imprevisíveis, o que torna ainda mais difícil para os pobres depender dessas instalações. As instituições privadas oferecem a garantia de que o médico estará presente. Se ele não estiver, não será pago, enquanto o funcionário do governo ausente receberá seu salário normalmente.

Essa tentativa de agarrar – se a alguma coisa não é específica dos países pobres. É o que também os poucos privilegiados nos países pobres e os cidadãos do Primeiro Mundo fazem quando enfrentam um problema que não sabem como remediar. Nos Estados Unidos , depressão e dores nas costas são dois males mal compreendidos e debilitantes. É por isso que os americanos se alternam constantemente entre psiquiatras e curandeiros espirituais , ou aulas de ioga e quiropráticos. Como os dois problemas vêm e vão, os sofredores passam por ciclos de esperança e decepção, cada vez querendo acreditar por um momento, pelo menos, que a nova cura deve estar funcionando .

O principal desafio é criar “ empurrões ” adaptados ao ambiente dos países em desenvolvimento. Por exemplo, o principal desafio da cloração de água em casa é que a pessoa deve se lembrar de fazê – lo: a água sanitária deve ser comprada e o número certo de gotas deve ser colocado antes que alguém beba a água. Isso é o que há de tão bom na água encanada — ela já chega com cloro em nossas casas; nem precisamos pensar nisso. Como estimular as pessoas a clorar sua água potável onde não há água encanada?

Os pobres parecem estar presos aos mesmos tipos de problemas que afligem o restante de nós — entre eles, falta de informação, crenças fracas e procrastinação. É verdade que nós, que não somos pobres, somos um pouco mais instruídos e informados, mas a diferença é pequena porque, no fim das contas, sabemos realmente muito pouco, e quase certamente menos do que imaginamos.

Acontece que é fácil, fácil demais, fazer sermões sobre os perigos do paternalismo e a necessidade de assumir a responsabilidade por nossas próprias vidas do conforto de nosso sofá em nossa casa segura e higiênica . Não somos nós , que vivemos no mundo rico , os beneficiários constantes de um paternalismo agora tão profundamente embutido no sistema que mal o notamos ? Ele não só garante que cuidemos de nós mesmos melhor do que se tivéssemos que estar no controle de todas as decisões, mas também, ao nos libertar de ter de pensar sobre essas questões, nos dá o espaço mental de que precisamos para nos focar no resto de nossas vidas. Isso não nos isenta da responsabilidade de educar as pessoas sobre saúde pública. Devemos a todos, inclusive os pobres, uma explicação tão clara quanto possível da importância da imunização e de por que eles precisam completar o tratamento com antibióticos. Mas devemos reconhecer — na verdade, supor — que a informação por si só não resolverá o problema. É assim que as coisas são, tanto para os pobres quanto para nós.

4. Melhores da classe

Há escolas disponíveis. Na maioria dos países, elas são gratuitas, pelo menos no nível primário. A maioria das crianças está matriculada. Contudo, nas várias pesquisas que realizamos ao redor do mundo, as taxas de absentismo infantil variam entre 14 % e 50 %. A ausência muitas vezes não parece ser motivada por uma necessidade óbvia de ficar em casa .

Pôr os filhos na escola é um primeiro passo muito importante: é onde começa a aprendizagem. Mas não é muito útil se eles aprendem pouco ou nada depois que estão lá. Estranhamente, a questão da aprendizagem não ocupa uma posição muito proeminente nas declarações internacionais. Os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio não especificam que as crianças devem aprender alguma coisa na escola, apenas que devem completar um ciclo básico de educação . Na declaração final da Cúpula de Educação para Todos , realizada em Dakar, em 2000, sob o patrocínio da Organização das Nações Unidas para a Educação , a Ciência e a Cultura ( Unesco ) , a meta de melhorar a qualidade da educação é mencionada apenas na sexta posição — entre seis objetivos. O pressuposto implícito talvez fosse que o aprendizado viria da matrícula. Mas infelizmente as coisas não são tão simples.

Construir escolas e contratar professores é um primeiro passo necessário para reduzir o custo de mandar uma criança à escola , mas pode não ser suficiente. Esse raciocínio explica por que a maioria dos países ricos simplesmente não dá escolha aos pais: as crianças devem ser mandadas para a escola até certa idade, a menos que os pais possam provar que as estão educando em casa.

Tendo em vista que o número de filhos nascidos em cada família diminui drasticamente com o aumento da renda, isso significa que os gastos com educação por criança crescem muito mais rápido do que o consumo total. É o oposto do que esperaríamos em um mundo em que a educação fosse um investimento como qualquer outro, a menos que estejamos dispostos a acreditar que os pobres são simplesmente incapazes de obter educação .

Isso é importante, porque, se a renda dos pais desempenha um papel tão vital na determinação do investimento educacional, as crianças ricas receberão mais educação, mesmo que não sejam particularmente talentosas, e as crianças pobres talentosas podem ficar privadas de educação .

Outro programa clássico de cima para baixo é a escolaridade obrigatória. Em 1968, Taiwan instituiu uma lei que tornava obrigatório para todas as crianças completar nove anos de escolaridade (a lei anterior exigia apenas seis anos de frequência escolar). Essa lei teve um importante efeito positivo na escolaridade de meninos e meninas, bem como em suas perspectivas de emprego, especialmente para meninas. Os benefícios da educação não são apenas monetários: o programa de Taiwan teve um grande efeito na mortalidade infantil. No Malaui, as meninas que não abandonaram a escola devido à transferência de renda também tiveram menor probabilidade de engravidar .

Pratham, a notável ong educacional que organiza o aser, não só expõe as deficiências do sistema educacional , mas também tenta corrigi – las. Trabalhamos com ela nos últimos dez anos , avaliando quase todas as novas edições de seu programa de ensino de aritmética e leitura para crianças . Nossa associação começou no ano 2000, no oeste da Índia, nas cidades de Mumbai e Vadodara, onde a Pratham mantinha o que chamavam de programa Balsakhi (que significa “ amiga das crianças”).

Mas uma questão fundamental é exclusiva da educação: a maneira peculiar como as expectativas sobre o que a educação deve oferecer distorcem o que os pais exigem, o que as escolas públicas e privadas oferecem e o que as crianças alcançam — e o desperdício colossal que se segue disso.

Relatório Público sobre a Educação Básica na Índia (probe, na sigla em inglês). Eis uma das conclusões: Muitos professores não querem ser lotados em aldeias remotas ou “ atrasadas”. Uma razão prática é a inconveniência de se deslocar para o trabalho ou de morar num vilarejo remoto com instalações precárias. [ … ] Outro motivo comum é o seu distanciamento em relação aos moradores do lugar , que são às vezes considerados pessoas que desperdiçam dinheiro com bebidas alcoólicas, que não têm potencial para a educação ou que simplesmente “ se comportam como macacos”. Áreas remotas ou atrasadas também são vistas como terreno infértil para os esforços de um professor.

A combinação de expectativas elevadas e pouca fé pode ser bastante letal. Como vimos, a crença na curva em S leva as pessoas a desistirem. Se os professores e os pais não acreditam que a criança pode cruzar o limiar e entrar na parte íngreme da curva em S, é melhor não tentar; o professor ignora as crianças que ficaram para trás e os pais param de se interessar em sua educação.

Seguindo o trabalho de Steele, dois pesquisadores do Banco Mundial fizeram crianças de casta inferior no estado indiano de Uttar Pradesh competir com crianças de casta alta na resolução de labirintos . 34 Eles descobriram que as crianças de casta inferior competiam bem com as de casta alta , desde que a casta não fosse evidente , mas , depois que as crianças de casta inferior são lembradas de que estão competindo com as de casta superior ( pelo simples artifício de perguntar – lhes seus nomes completos antes de o jogo começar), elas se saem muito pior .

A escola que Abhijit frequentou em Calcutá tinha uma política mais ou menos explícita de expulsar os últimos da turma todos os anos, de modo que, quando chegasse o exame de graduação , ela pudesse reivindicar um recorde de aprovação perfeito. As escolas primárias quenianas adotam a mesma estratégia , pelo menos a partir do sexto ano.

Os filhos dos ricos vão para escolas que não só ensinam mais e melhor, mas onde são tratados com compaixão e ajudados a atingir seu verdadeiro potencial. Os pobres acabam em escolas que deixam bem claro que eles não são bem – vindos, a menos que mostrem alguns dons excepcionais, e espera – se que sofram em silêncio até que caiam fora. Isso cria um enorme desperdício de talento.

Fizemos a avaliação de um programa de aprendizado assistido por computador executado em colaboração com a Pratham nas escolas públicas de Vadodara. O programa era simples. Pares de alunos do terceiro e quarto anos tinham de jogar no computador. O jogo envolvia resolver problemas matemáticos cada vez mais difíceis; o sucesso em resolvê-los dava ao vencedor a chance de jogar um pouco de lixo no espaço sideral ( tratava – se de um jogo politicamente correto). Embora eles só pudessem jogar duas horas por semana , os ganhos desse programa em termos de notas em matemática foram tão grandes quanto aqueles de algumas das intervenções educacionais mais bem – sucedidas que foram tentadas em vários contextos ao longo dos anos — e isso era verdade para todos : as crianças mais fortes se saíram melhor , e também as mais fracas. Isso ressalta o que é particularmente bom no computador como ferramenta de aprendizagem: cada criança é capaz de definir seu próprio ritmo ao longo do programa.

Reconhecer que as escolas devem servir aos alunos que têm, em vez daqueles que talvez gostariam de ter, pode ser o primeiro passo para um sistema escolar que dê uma chance a todas as crianças.

5. A grande família de Pak Sudarno

Esse episódio em particular e a política draconiana do filho único na China são os exemplos mais conhecidos de medidas de controle da população aplicadas com severidade , mas a maioria dos países em desenvolvimento tem alguma forma de política populacional. Em artigo publicado na Science, em 1994 , John Bongaarts, do Population Council, estimou que, em 1990, 85 % da população do mundo em desenvolvimento vivia em países cujo governo tinha a concepção explícita de que sua população era grande demais e precisava ser controlada por meio de planejamento familiar. Há certamente muitas razões para o mundo em geral se preocupar com o crescimento populacional hoje. Jeffrey Sachs fala sobre isso em seu livro Common Wealth. O mais óbvio é seu impacto potencial no meio ambiente.

O problema é que é impossível desenvolver uma política populacional razoável sem entender por que algumas pessoas têm tantos filhos: elas são incapazes de controlar sua própria fecundidade (devido à falta de acesso a anticoncepcionais, por exemplo), ou é uma escolha? E quais são os motivos dessa escolha?

As famílias grandes são mais pobres porque são grandes? Elas têm menos condições de investir na educação e saúde dos filhos? Um dos slogans favoritos de Sanjay Gandhi era “ Uma família pequena é uma família feliz”. Acompanhado por uma imagem de desenho animado de um casal sorridente com seus dois filhos gordinhos , era um dos cartazes mais universais no final da década de 1970, na Índia.

Os pobres controlam suas decisões sobre fecundidade? Uma razão pela qual os pobres podem não ser capazes de controlar sua fecundidade é que talvez não tenham acesso a métodos anticoncepcionais modernos.

acesso aos contraceptivos pode deixar as pessoas felizes, pois lhes dá uma maneira muito mais conveniente de controlar sua fecundidade do que a alternativa disponível. Mas parece fazer  por si só , pouco para reduzir a fecundidade.

Uma coisa está relativamente clara: na maioria das vezes, os pobres, mesmo as adolescentes, fazem escolhas conscientes a respeito de sua fecundidade e sexualidade e encontram maneiras — embora talvez não agradáveis — de controlá-las. Se mulheres jovens engravidam, mesmo que seja extremamente caro para elas, isso deve refletir a decisão ativa de alguém.

Da década de 1970 à de 1990, o acesso aos canais da Globo expandiu – se enormemente e, com ele, a audiência das telenovelas. No auge da popularidade das novelas, na década de 1980, suas personagens tendiam a ser muito diferentes do brasileiro médio em termos de classe e atitudes sociais: enquanto a mulher brasileira média tinha quase seis filhos em 1970, nas novelas, a maioria das personagens femininas com menos de cinquenta anos não tinha nenhum, e as demais tinham um. Logo depois que as novelas se tornavam disponíveis numa região , o número de nascimentos caía drasticamente; além disso, as mulheres que tinham filhos nessas regiões batizavam seus filhos com os nomes das principais personagens da novela. As telenovelas acabaram por projetar uma visão de vida bem diferente daquela a que os brasileiros estavam acostumados, com consequências históricas Mulheres, em particular, podem ser pressionadas por seus maridos, suas sogras ou pelas normas sociais a terem mais filhos do que gostariam .

Filhos como instrumentos financeiros

Para muitos pais, os filhos são seu futuro econômico: uma apólice de seguro, um produto de poupança e alguns bilhetes de loteria, tudo em um conveniente pacote pequeno . Pak Sudarno, o catador de sucata da favela Cica Das , na Indonésia, que mandava o filho mais novo para o ensino médio porque isso lhe parecia uma aposta vantajosa, tinha nove filhos e muitos netos. Quando lhe perguntamos se estava feliz por ter tantos filhos, ele disse “ sem dúvida”. Ele explicou que, com nove filhos, podia ter certeza de que pelo menos alguns deles se dariam bem na vida e cuidariam dele em sua velhice.

Costumamos pensar no gênero de nossos filhos como algo que não podemos decidir , mas isso não é verdade: os abortos seletivos de sexo, que agora estão amplamente disponíveis e são extremamente baratos, permitem que os pais escolham se preferem abortar um feto feminino. Como dizem os adesivos colados nas divisórias da principal estrada de Delhi que anunciam serviços (ilegais) de determinação de sexo: “ Gaste quinhentas rupias agora e economize 50 mil rupias depois ” (em dotes). E mesmo antes que o aborto seletivo por sexo fosse uma opção, em ambientes onde muitas doenças infantis podem facilmente ser fatais se não forem tratadas adequadamente, sempre houve negligência, deliberada ou não, o que pode ser uma maneira eficaz de se livrar de crianças indesejadas.

Em algumas regiões da China, existem hoje 124 meninos para cada cem meninas.

 

A família

Em virtude de seus modelos , os economistas muitas vezes ignoram o fato inconveniente de que a família não é o mesmo que apenas uma pessoa. Tratamos a família como uma “ unidade”, supondo que a família toma decisões como se fosse um indivíduo. O pater familias, o chefe da dinastia, decide em nome da esposa e dos filhos o que a família consome, quem recebe educação e por quanto tempo, quem recebe que tipo de legado, e assim por diante. Ele pode ser altruísta, mas é claramente onipotente.

É a mulher que se encarrega de alimentar a família; seu marido lhe dá uma quantia fixa de dinheiro para isso, mas depois é trabalho dela descobrir como fazer isso da melhor forma.

Hoje, reconhece – se amplamente que programas de apoio público que põem o dinheiro nas mãos das mulheres, como o programa mexicano Progresa, por exemplo, podem ser muito mais eficazes no direcionamento de recursos para as crianças. Na África do Sul, com o fim do apartheid, todos os homens com mais de 65 anos e mulheres com mais de sessenta anos que não tinham uma pensão privada tornaram – se qualificados para uma pensão pública generosa. Muitos desses idosos moravam com os filhos e netos e o dinheiro era dividido com as famílias. Mas só quando uma avó morava com uma neta é que a neta se beneficiava: essas meninas tinham uma probabilidade significativamente menor de serem raquíticas. As pensões recebidas por um avô não tinham esse efeito. E mais: somente se a pensão fosse recebida pela avó materna da menina é que se via esse efeito.

Voltamos agora à questão de saber se os pobres realmente querem famílias tão grandes. Pak Sudarno queria nove filhos. Sua grande família não era consequência da falta de autocontrole, da falta de acesso a anticoncepcionais, ou mesmo de uma norma imposta pela sociedade (embora o fato de ele ter tomado essa decisão possa ter sido ; sua esposa não nos contou o que ela mesma queria). Ao mesmo tempo, ele acreditava que ter nove filhos o tornava pobre. Então , ele realmente não “ queria ” tantos filhos. Ele só precisava de nove filhos porque não havia outra maneira de ter certeza de que pelo menos um deles o sustentaria mais tarde em sua vida. Em um mundo ideal, ele teria menos filhos e tentaria criá-los o melhor que pudesse, mas não precisaria depender deles mais tarde.

6. Gestores de fundos de hedge de pés descalços

Os donos de negócios ou sítios não são os únicos expostos ao risco da renda. A outra principal forma de emprego para os pobres é o trabalho ocasional, pago por dia: mais de metade dos extremamente pobres nas áreas rurais que estão empregados são trabalhadores temporários . Nas áreas urbanas , são cerca de 40 %. Quando têm sorte, os diaristas encontram empregos que duram várias semanas ou mesmo alguns meses , em um canteiro de obras ou numa fazenda , mas muitas vezes um trabalho pode durar apenas alguns dias ou algumas semanas. Um trabalhador ocasional nunca sabe se haverá emprego quando o atual terminar. Se houver um problema com o negócio, esses empregos são os primeiros a serem eliminado .

Para os pobres, o risco não se limita à renda ou à alimentação: a saúde, que discutimos em um capítulo anterior, é uma das principais fontes de risco. Há também a violência política , a criminalidade (como no caso da filha de Ibu Tina) e a corrupção.

É claro que a crise global aumentou os riscos para os pobres , mas acrescentou pouco ao risco geral com o qual eles têm de lidar diariamente, mesmo quando não há uma crise com a qual o Banco Mundial esteja preocupado.

Em primeiro lugar , um corte no consumo é mais doloroso para quem consome muito pouco. Quando uma família não tão pobre precisa reduzir o consumo, os membros podem falar menos no celular, comprar carne com menos frequência ou mandar as crianças para um colégio mais barato. É claro que é um sacrifício. Mas para os pobres, um grande corte na renda pode significar um corte em despesas essenciais; os adultos de 36 % das famílias extremamente pobres que pesquisamos no distrito rural de Udaipur tiveram de cortar o tamanho de suas refeições em algum momento do ano anterior à pesquisa . E cortar refeições é uma coisa que os pobres odeiam: entrevistados que tiveram de cortar o tamanho de suas refeições relataram estar muito mais infelizes do que aqueles que não precisaram fazer isso.

Os sintomas de depressão são muito mais prevalentes entre os pobres. Estar estressado torna mais difícil nos concentrarmos, o que, por sua vez , pode nos tornar menos produtivos. Em particular, existe uma forte associação entre pobreza e o nível de cortisol produzido pelo organismo, um indicador de estresse . E , inversamente , os níveis de cortisol diminuem quando as famílias recebem alguma ajuda. Por exemplo: os filhos dos beneficiários do Progresa, o programa mexicano de transferência de renda , têm níveis significativamente mais baixos de cortisol do que crianças comparáveis cujas mães não se beneficiaram do programa.

A família também é usada de maneiras criativas para distribuir o risco. As famílias agricultoras na Índia usam o casamento como uma forma de diversificar a “carteira de risco” de suas famílias extensas. Quando uma mulher se muda para a aldeia dos sogros após o casamento, isso cria um vínculo entre a família de onde ela veio e aquela na qual se casou, e as duas famílias podem apelar uma para a outra quando estão em apuro. Famílias agrícolas tendem a casar suas filhas em aldeias que são próximas o suficiente para manter uma relação, mas distantes o suficiente para ter um padrão de clima ligeiramente diferente. Desse modo , se a chuva cair em uma aldeia, mas não na outra , eles podem ajudar uns aos outros . Outra forma de comprar segurança é ter muitos filhos. Lembre-se de que Pak Sudarno teve nove filhos para garantir que pelo menos um deles cuidaria dele.

Por que as pessoas pobres não querem seguro? Uma primeira possibilidade para a baixa demanda por seguro é que o governo estragou o mercado. Trata – se do familiar argumento do wallah da demanda: quando os mercados não funcionam, o excesso de provisão por parte do governo ou de instituições internacionais é provavelmente o culpado. O argumento específico é que , quando ocorre um desastre, essas almas bondosas intervêm para ajudar e, em consequência, as pessoas na verdade não precisam de seguro.

7. Os homens de Cabul e os eunucos da Índia: A economia (não tão) simples de emprestar aos pobres

Emprestar aos pobres

 Muito poucas famílias pobres obtêm empréstimos de uma instituição de crédito adequada , como um banco comercial ou uma cooperativa. Na pesquisa que realizamos em Udaipur, na Índia rural, cerca de dois terços dos pobres tinham um empréstimo. Destes , 23 % eram de um parente, 18 % de um agiota, 37 % de um lojista e apenas 6,4 % de uma fonte formal.

A economia ( não tão ) simples de emprestar aos pobres

Uma explicação comum para a razão pela qual algumas pessoas têm de pagar taxas de juros altas é que elas têm maior probabilidade de inadimplência. Isso é aritmética simples: se um agiota deve receber em média 110 rupias por cada cem rupias que empresta apenas para permanecer no negócio ( por exemplo , porque esse é o custo dos fundos), sem inadimplência ele poderia cobrar uma taxa de juros de 10 % . apesar da aparente escolha dos credores, os tomadores de empréstimo estão um tanto presos àquele que já conhecem. E os agiotas podem explorar essa vantagem para aumentar as taxas de juros. Isso também explica por que os bancos não emprestam aos pobres. Os funcionários do banco não estão muito bem posicionados para fazer toda a devida diligência necessária: eles não moram no lugar , não conhecem as pessoas e há rotatividade frequente entre eles. Os bancos respeitáveis não estão em posição de competir com Kabuliwalas.

Em nossa mente, o microcrédito conquistou seu lugar de direito como um dos instrumentos essenciais na luta contra a pobreza.

De repente, em algum momento de 2005, os jornais de língua local (ou, segundo alguns relatos, jornais falsos feitos para se parecerem com a coisa real) se encheram de histórias sobre Padmaja Reddy. Em algumas , ela teria fugido para os Estados Unidos ; em outras , teria matado o marido. A implicação era que a Spandana não tinha futuro e, portanto, não havia sentido em pagar um empréstimo que a empresa pudesse ter feito . Vimos uma página de “ jornal ” alegar que a própria Padmaja havia sugerido que eles não pagassem , já que ela havia ganhado bastante dinheiro e estava fechando o negócio. Foi um esforço magistral para mudar as crenças de uma maneira que poderia minar totalmente a organização: convencer as pessoas de que uma IMF não tem futuro é o jeito mais fácil de garantir que ela de fato não o tenha , uma vez que é do interesse de todos não pagar. Padmaja ficou transtornada (embora risse da ideia de que fugiria para os Estados Unidos para evitar cumprir suas obrigações — afinal, eram os mutuários que estavam com seu dinheiro, não o contrário), mas ela estava determinada a lutar. Ela percorreu todo o estado e compareceu a reuniões em todas as pequenas cidades e grandes vilarejos, dizendo: “ Ainda estou aqui , não vou a lugar nenhum”. Essa crise específica foi assim evitada. Mas alguns meses depois, em março de 2006, estourou um novo “escândalo” que expôs uma dimensão diferente de fragilidade. Dessa vez, a Spandana e a Share, uma de suas concorrentes , foram acusadas de serem o motivo do suicídio de vários agricultores . De acordo com uma nova série de artigos na imprensa , os agentes de crédito pressionaram os clientes a pedirem empréstimos excessivos e , em seguida , colocaram uma pressão injusta sobre eles para pagar . As imfs negaram obviamente as acusações , mas antes que qualquer coisa pudesse ser resolvida o comissário distrital de Krishna ( o chefe administrativo do distrito ) decretou que pagar o empréstimo à Spandana ou à Share era … ilegal . Dentro de alguns dias , quase todos os clientes de Krishna pararam de pagar . Na época da crise , a Spandana tinha aproximadamente 590 milhões de rupias ( us $ 34,5 milhões ppc ) do principal em dívida no distrito de Krishna , o que representava 15 % da carteira de empréstimos brutos da Spandana na Índia , em 2006 . Os chefes das várias imfs foram aos superiores do comissário e conseguiram rescindir a ordem rapidamente , mas o estrago estava feito . As pessoas pagam porque outras pessoas fazem o mesmo , então , quando elas param de pagar , é difícil fazer com que reiniciem . Um ano depois , 70 % dos empréstimos pendentes ainda não haviam sido pagos . Desde então , os agentes de crédito da Spandana voltaram a cada uma das aldeias afetadas e ofereceram a seus clientes novos empréstimos se eles pagassem apenas os antigos ( sem juros extras ) . Essas ofertas funcionaram em algumas aldeias , e eles agora conseguiram recuperar metade dos empréstimos pendentes , mas a pressão para agir como os outros é evidente . 17 Em algumas aldeias , todos pagam . Em outras , todos se recusam , até os que estavam a apenas alguns pagamentos de conseguir um novo empréstimo .

Abrir as portas para a inadimplência , mesmo como forma de estimular a assunção de riscos necessária, pode levar a um desmoronamento do contrato social que lhes permite manter as taxas de pagamento altas e as taxas de juros relativamente baixas .

estrutura do programa , que é a fonte de seu sucesso em emprestar aos pobres , é tal que não podemos contar com ele como um trampolim para a criação e o financiamento de empresas maiores . Encontrar maneiras de financiar empresas de médio porte é o próximo grande desafio para as finanças em países em desenvolvimento .

8. Economizando tijolo por tijolo

8 . Economizando tijolo por tijolo Em quase todos os países em desenvolvimento , sempre que nos afastamos do centro da cidade em direção aos subúrbios menos ricos ficamos impressionados com o número de casas inacabadas . Existem casas com quatro paredes , mas sem telhado , casas com telhado , mas sem janelas , possíveis casas que podem ter uma ou duas paredes inacabadas , casas com vigas saindo do telhado , paredes que alguém começou a pintar , mas nunca terminou .

As pessoas mais pobres não podem pagar por um cômodo inteiro . A família de Abhijit costumava ter um motorista que ocasionalmente pedia licença de um dia . Ele comprava um saco de cimento , um saco de areia e uma pilha de tijolos e tirava um dia de folga para colocar alguns tijolos . Sua casa foi construída ao longo de muitos anos , cem tijolos de cada vez .

“ Como os pobres poderiam economizar se não têm dinheiro ? ” . Mas isso é apenas superficialmente sensato : os pobres devem economizar porque , como todos os outros , eles têm um presente e um futuro . Eles têm pouco dinheiro hoje , mas , a menos que esperem tropeçar numa pilha de dinheiro durante a noite , presumivelmente também esperam ter pouco amanhã . Na verdade , eles deveriam ter mais motivos para economizar do que os ricos , se houver pelo menos alguma possibilidade de que , no futuro , um pouco de proteção possa resguardá – los de um desastre .

Em nosso conjunto de dados de dezoito países , no país mediano ( Indonésia ) , 9 % dos pobres rurais e 12 % dos pobres urbanos têm contas de poupança formais . No Brasil , no Panamá e no Peru , esse número é inferior a 1 % . Não obstante , eles economizam . Stuart Rutherford , fundador da SafeSave , uma instituição de microfinanciamento de Bangladesh que se concentra em ajudar os pobres a economizar , conta como eles fazem isso em dois livros maravilhosos , The Poor and Their Money [ Os pobres e seu dinheiro ] e Portfolios of the Poor [ Portfólios dos pobres ] . 2 Para esse livro , 250 famílias pobres de Bangladesh , da Índia e da África do Sul descreveram cada uma de suas transações financeiras para pesquisadores que as visitaram a cada duas semanas durante um ano inteiro . Uma de suas principais descobertas é que os pobres encontram muitas maneiras engenhosas de economizar . Eles formam “ clubes ” de poupança com outros poupadores , nos quais cada membro deve assegurar que os outros atinjam seus objetivos de poupança .

Devido a essas taxas administrativas , a maioria dos pobres pode não querer uma conta bancária , mesmo quando têm direito a uma .

As contas de poupança ajudam algumas pessoas , mas sua ausência não é a única coisa que impede os pobres de economizar .

Compreender a maneira como as pessoas pensam sobre o futuro pode ajudar a resolver essas aparentes contradições .

Com efeito , se a falta de autocontrole for suficientemente grave , valeria a pena pagar alguém para nos obrigar a poupar .

a obrigação de pagar o que se deve à Spandana — que é bem fiscalizada — impõe uma disciplina que os mutuários podem não administrar por conta própria .

A pobreza e a lógica do autocontrole Como é difícil comprar autocontrole , os tomadores de decisão autoconscientes adotam outras medidas defensivas contra a possibilidade de serem tentados no futuro . Uma estratégia óbvia é não economizar tanto , porque sabemos que vamos desperdiçar o dinheiro amanhã : podemos ceder à tentação hoje , se tudo o que vamos fazer é ceder amanhã . Essa lógica perversa das tentações funciona da mesma forma para pobres e ricos , mas há boas razões para que as consequências sejam muito mais graves para os pobres do que para os ricos .

Esse efeito é reforçado pelo fato de que muitos dos bens que os pobres realmente desejam ter , como uma geladeira , uma bicicleta ou uma escola melhor para os filhos , são relativamente caros , de forma que , quando têm um pouco de dinheiro em mãos , os bens tentadores estão em excelente posição para reivindicar seus direitos ( Você nunca economizará o suficiente para aquela geladeira , insiste a voz em seu ouvido . Tome uma xícara de chá em vez disso … ) . O resultado é um círculo vicioso .

atraente para os pobres , porque para eles a meta tende a estar muito distante , e eles sabem que haverá muitas tentações pelo caminho . Mas , evidentemente , se não poupam , permanecem pobres .

O autocontrole também pode ser mais difícil para os pobres por outro motivo : as decisões sobre quanto deve ser economizado são difíceis para qualquer um , rico ou pobre . Elas exigem pensar no futuro ( um futuro provavelmente desagradável de contemplar , para muitos dos pobres ) , organizar cuidadosamente uma série de contingências , negociar com o cônjuge ou com um filho . Quanto mais ricos somos , mais essas decisões são tomadas por nós .

O problema é que o autocontrole é como um músculo : ele se cansa à medida que o usamos e , portanto , não é surpresa que os pobres tenham mais dificuldade para economizar . 11 Isso é agravado pelo fato , discutido no capítulo 6 , sobre risco , de que os pobres vivem sob estresse considerável , e o cortisol induzido pelo estresse nos faz tomar decisões mais impulsivas . Desse modo , precisam fazer um trabalho mais difícil com menos recursos .

Saindo da armadilha O comportamento de poupar depende essencialmente do que as pessoas esperam que aconteça no futuro . Os pobres que acham que terão oportunidades de concretizar suas aspirações terão fortes motivos para reduzir seu consumo “ frívolo ” e investir nesse futuro . Ao contrário , aqueles que sentem que não têm nada a perder tenderão a tomar decisões que refletem esse desespero . Isso talvez explique não apenas as diferenças entre ricos e pobres , mas também as diferenças entre pobres .

O microcrédito é apenas uma das muitas maneiras pelas quais podemos ajudar os pobres a pensar em termos de um futuro em que alguns de seus objetivos de longo prazo podem se tornar alcançáveis . Uma educação melhor para os filhos teria provavelmente o mesmo efeito .

O ponto principal é que um pouco de esperança e um pouco de tranquilidade e conforto podem ser um incentivo poderoso . É fácil para quem tem o suficiente e leva uma vida segura , estruturada por objetivos que pode aspirar a alcançar ( um sofá novo , a tela plana de cinquenta polegadas , um segundo carro ) e instituições projetadas para ajudar a chegar lá ( contas de poupança , programas de pensão , empréstimos para aquisição de casa própria ) presumir , como os vitorianos , que a motivação e a disciplina são intrínsecas .

Diminuir a distância até o gol pode ser tudo de que os pobres precisam para começar a correr na direção dele .

9. Empreendedores relutantes

Este livro poderia facilmente ser preenchido com histórias de criatividade e resiliência de donos de negócios de pequena escala . Essas imagens têm sido uma motivação poderosa para o recente movimento de microcrédito e “ negócios sociais ” , que parte da premissa de que os pobres são empreendedores natos e que podemos erradicar a pobreza dando – lhes o ambiente certo e alguma ajuda para começar . Nas palavras de John Hatch , ceo da finca , uma das maiores instituições de microfinanciamento do mundo : “ Dê oportunidades às comunidades pobres e saia do caminho ” .

A premissa básica da visão de mundo de Yunus , compartilhada por muitos dos participantes do movimento de microcrédito , é que todos têm uma chance de ser um empresário de sucesso . Mais especificamente , existem duas razões distintas para que os pobres tenham maior probabilidade de encontrar oportunidades incríveis . Em primeiro lugar , eles ainda não tiveram uma chance , então suas ideias são presumivelmente mais recentes e menos prováveis de já terem sido experimentadas . Em segundo lugar , o mercado até agora tem em geral ignorado a base da pirâmide . Por isso , argumenta – se , as inovações que melhoram a vida dos pobres têm de ser a solução mais fácil , e quem melhor do que os próprios pobres para pensar quais poderiam ser ?

Outro programa , concebido pelo brac , uma grande imf em Bangladesh , e agora imitado em vários países em desenvolvimento , mostra que quando recebem o tipo certo de ajuda até mesmo os pobres mais pobres têm a capacidade de ter sucesso na administração de pequenos negócios , os quais podem mudar suas vidas .

Eis o paradoxo dos pobres e de seus negócios : eles são enérgicos e engenhosos e conseguem fazer muito com muito pouco , mas a maior parte dessa energia é gasta em empreendimentos que são demasiado pequenos e totalmente indiferenciados dos muitos que existem ao seu redor . Em consequência , seus donos não têm chance de ganhar uma vida razoável .

A experiência no Sri Lanka proporciona outra ilustração notável do fato de que o financiamento não é a única barreira à expansão . Lembre – se de que os empreendedores que receberam 250 dólares ganharam muito dinheiro — muito mais , por dólar investido , do que a maioria das empresas de sucesso nos Estados Unidos . Mas aqui está o problema : os lucros dos microempresários que receberam o subsídio de quinhentos dólares não aumentaram mais do que os lucros daqueles que receberam o de 250 dólares , em termos absolutos . Em parte , é porque aqueles que receberam o subsídio de quinhentos dólares não decidiram investir tudo em seus negócios — investiram cerca de metade e usaram o restante para comprar coisas para sua casa .

questão é que , para a maioria das pessoas , não há a opção de cruzar esse obstáculo . Embora pequenos empréstimos possam estar disponíveis , ninguém ( nem mesmo as imfs , que , como vimos , não gostam de se arriscar ) emprestará dinheiro suficiente a esses pequenos empreendedores . Além disso , para chegar lá pode também ser necessário um pouco de gerenciamento e outras habilidades que eles não têm e não podem comprar . Portanto ,

Bons empregos Começamos a incluir a pergunta “ Quais são suas ambições para seus filhos ? ” em pesquisas feitas com pessoas pobres em todo o mundo . Os resultados são impressionantes . Em todos os lugares que perguntamos , o sonho mais comum dos pobres é que seus filhos se tornem funcionários públicos .

A ênfase em empregos públicos , em particular , sugere um desejo de estabilidade , já que esses empregos tendem a ser muito seguros , mesmo quando não são muito estimulantes . E , de fato , a estabilidade do emprego parece ser a única coisa que distingue a classe média dos pobres . Em nosso conjunto de dados de dezoito países , as pessoas de classe média têm muito mais probabilidade de ter empregos que as paguem semanal ou mensalmente , em vez de diariamente , o que é uma forma rudimentar de separar empregos temporários de mais permanentes .

A classe média gasta muito mais com saúde e educação do que os pobres . É claro que , em princípio , pode ser que pessoas pacientes e laboriosas , inclinadas a investir no futuro dos filhos , sejam mais capazes de se manter em bons empregos . Mas suspeitamos que essa não é a explicação completa , e que esse padrão de gastos tem algo a ver com o fato de que os pais de famílias com melhores condições têm empregos estáveis ; um emprego estável pode , por si só , mudar de modo decisivo a perspectiva que as pessoas têm da vida .

Talvez a sensação de controle sobre o futuro que as pessoas têm ao saber que haverá uma renda a cada mês — e não apenas a renda em si — é o que permite que essas mulheres se concentrem em construir suas próprias carreiras e as de seus filhos . Talvez a ideia de que existe um futuro seja o que faz a diferença entre os pobres e a classe média .

É por isso que é muito mais fácil se mudar quando você já conhece pessoas na cidade . Elas podem abrigar você e sua família quando chegarem , auxiliá – lo se alguém adoecer repentinamente e ajudá – lo a encontrar um emprego , dando – lhe uma referência , ou mesmo contratando – o .

10. Políticas públicas, política

Até mesmo as políticas públicas mais bem – intencionadas e bem pensadas podem não causar impacto se não forem implementadas de forma adequada .

No outro extremo , talvez não surpreenda que Jeffrey Sachs veja a corrupção como uma armadilha da pobreza : a pobreza causa corrupção e a corrupção causa pobreza . Sua sugestão é romper a armadilha , concentrando – se em tornar as pessoas nos países em desenvolvimento menos pobres . A ajuda deve ser dada para objetivos específicos ( como controle da malária , produção de alimentos , água potável e saneamento ) que podem ser facilmente monitorados . Elevar os padrões de vida , argumenta Sachs , capacitaria a sociedade civil e os governos a manter o estado de direito . 4 Isso presume que seja possível implementar com sucesso programas desse tipo em grande escala em países pobres e corruptos .

Podemos esperar algum progresso na educação até que Uganda resolva o problema maior da corrupção ?

Economia política A corrupção , ou o simples abandono do dever , cria ineficiências enormes . Se professores ou enfermeiras não forem trabalhar , nenhuma política de educação ou saúde pode realmente ser implementada .

Nosso colega Daron Acemoglu e seu coautor de longa data James Robinson , de Harvard , são dois dos expoentes mais meticulosos da visão bastante melancólica , ativa na economia hoje , de que , enquanto as instituições políticas não forem consertadas , os países não podem realmente se desenvolver — mas instituições são difíceis de consertar . Acemoglu e Robinson definem instituições da seguinte forma : “ As instituições econômicas moldam os incentivos econômicos , os incentivos para se tornar instruído , para economizar e investir , para inovar e adotar novas tecnologias , e assim por diante . As instituições políticas determinam a capacidade dos cidadãos de controlar os políticos ” . Boas instituições econômicas estimularão os cidadãos a investir , acumular e desenvolver novas tecnologias , e o resultado disso é que a sociedade prosperará .

Uma maneira possível de romper o círculo vicioso das instituições ruins é importar mudanças de fora . Paul Romer , conhecido por seu trabalho pioneiro sobre crescimento econômico desenvolvido há algumas décadas , propôs o que parece ser uma solução brilhante : se você não consegue administrar seu país , terceirize – o para alguém que consiga . 10 Contudo , administrar um país inteiro pode ser difícil .

Paul Collier , professor da Universidade de Oxford e ex – economista do Banco Mundial , argumenta que há sessenta países “ casos perdidos ” ( como Chade , Congo e assim por diante ) nos quais vive cerca de 1 bilhão de pessoas . 11 Esses países estão atolados num círculo vicioso de instituições econômicas e políticas ruins , e é dever do mundo ocidental retirá – los disso , se necessário por meio de intervenções militares . Como exemplo de uma intervenção bem – sucedida desse tipo , Collier cita o apoio britânico ao esforço incipiente de democratização de Serra Leoa .

O esforço desastroso dos Estados Unidos para instituir uma democracia de livre mercado no Iraque é apenas um exemplo recente . 13 Mas , de modo geral , não existe receita de bolo . As instituições precisam ser adaptadas ao ambiente local , e , portanto , qualquer tentativa de cima para baixo de mudá – las provavelmente sairia pela culatra . A reforma , se possível , deve ser gradual e deve reconhecer que as instituições atuais existem provavelmente por uma razão . 14

Mas Easterly não é pessimista . Ele acredita que os países podem encontrar seu próprio caminho para o sucesso , mas precisam ser deixados sozinhos para tanto .

Outros estudos em outras partes da Índia deixaram claro que as mulheres na liderança quase sempre fazem uma diferença . Além disso , com o tempo , as mulheres também parecem estar fazendo mais do que os homens com o mesmo orçamento limitado , e consta que são menos inclinadas a aceitar subornos .

Forçar as mulheres a concorrer à liderança política não é a revolução instantânea que às vezes se diz , com mulheres poderosas assumindo agressivamente o comando e reformando suas aldeias . As mulheres eleitas costumam ser parentes de alguém que já estava na política . É menos provável que presidam as reuniões da aldeia e falam menos nelas . Têm menos instrução e menor experiência política . Mas apesar de tudo isso , e apesar do preconceito evidente que enfrentam , muitas mulheres estão silenciosamente assumindo o comando .

políticas ruins acontecem ( muitas vezes ) em ambientes políticos muito bons .

Boas intenções são provavelmente um ingrediente necessário para boas políticas , mas não mais do que isso . Políticas muito ruins às vezes nascem das melhores intenções , devido a uma leitura equivocada de qual é o verdadeiro problema .

quando um policial nos multa , reclamamos , mas não oferecemos a ele uma recompensa por fazer bem o seu trabalho e manter as ruas seguras para todos .

Essa observação simples tem duas implicações muito importantes . Em primeiro lugar , não há uma maneira fácil de avaliar o desempenho da maioria das pessoas que trabalham para o governo .

Em segundo lugar , a tentação de infringir as regras está sempre presente , tanto para o burocrata quanto para nós , o que leva à corrupção e ao abandono do dever .

a participação dos pais na escola pode funcionar , mas requer algumas reflexões sobre o que se pede que os pais façam .

Boas políticas também podem ajudar a quebrar o círculo vicioso de baixas expectativas : se o governo começa mostrar desempenho , as pessoas passam a levar a política mais a sério e a pressionar o governo para que faça mais , em vez de se abster , votar impensadamente em seus colegas de etnia ou pegar em armas contra o governo .

Um estudo feito no México comparou o comportamento eleitoral nas eleições presidenciais de 2000 em aldeias que receberam o programa de bem – estar social Progresa — que dava às famílias pobres transferências de dinheiro , desde que seus filhos frequentassem a escola e visitassem centros de saúde — por seis meses e em outras que o receberam por 21 meses . Tanto a participação nas eleições quanto os votos a favor do pri ( o partido que lhes trouxe o Progresa ) foram maiores nas aldeias que recebiam os benefícios havia mais tempo . O motivo disso não pode ser porque as famílias foram “ compradas ” pelo programa , uma vez que , naquela época , todos já haviam recebido os benefícios e conheciam as regras . Porém , como o programa obteve sucesso em melhorar a saúde e a educação e as famílias que receberam o programa por mais tempo começaram a ver alguns desses benefícios em suas vidas , elas reagiram engajando – se mais ( maior participação ) e recompensando o partido que havia iniciado o programa.

Esses programas podem inicialmente ser menos populares do que simples brindes , porque para conseguir o dinheiro a família tem de fazer alguma coisa que de outro modo poderia não querer fazer , mas acredita – se ( embora , como vimos , talvez incorretamente ) que a condicionalidade é parte integrante de “ romper o círculo da pobreza ” . É encorajador que os partidos , tanto de esquerda como de direita , julguem agora que devem propor plataformas que colocam essa visão de longo prazo no centro da agenda .

Easterly não vê razão para “ especialistas ” do Ocidente julgarem se um conjunto de instituições políticas em outro lugar é necessariamente bom ou ruim naquele contexto específico . Sachs acredita que instituições ruins são uma doença dos países pobres : podemos combater a pobreza com sucesso , talvez de forma limitada , mesmo em ambientes institucionais desfavoráveis , concentrando – nos em programas concretos e mensuráveis ; e tornar as pessoas mais ricas e instruídas pode iniciar um círculo virtuoso em que surgirão instituições boas . Concordamos com ambos . O foco nas instituições amplas como uma condição necessária e suficiente para que qualquer coisa boa aconteça está de algum modo mal colocado .

Em lugar de uma conclusão abrangente

Os economistas ( e outros especialistas ) parecem ter muito pouco a dizer sobre os motivos de alguns países crescerem e outros não. Casos perdidos, como Bangladesh ou Camboja, se transformam em pequenos milagres. Casos exemplares , como a Costa do Marfim , caem no “ fundo do poço ” . Em retrospecto , sempre é possível construir uma justificativa para o que aconteceu em cada lugar . Mas a verdade é que somos muito incapazes de prever onde o crescimento acontecerá e não entendemos muito bem por que as coisas se põem em marcha repentinamente. Uma vez que o crescimento econômico requer mão de obra e inteligência, parece plausível, no entanto, que sempre que essa centelha ocorra é mais provável que pegue fogo se mulheres e homens forem devidamente educados, bem alimentados e saudáveis, e se os cidadãos se sentirem seguros e confiantes o suficiente para investir em seus filhos e deixá-los sair de casa para conseguir novos empregos na cidade.

Como este livro mostrou, embora não tenhamos nenhuma fórmula mágica para erradicar a pobreza, nenhuma cura para tudo, sabemos várias coisas sobre como melhorar a vida dos pobres. Em particular, emergem cinco lições principais. Em primeiro lugar, os pobres carecem geralmente de informações críticas e acreditam em coisas que não são verdadeiras. Eles não têm certeza sobre os benefícios de vacinar os filhos; acham que há pouco valor no que é aprendido durante os primeiros anos de educação; não sabem quanto fertilizante precisam usar; não sabem qual é a maneira mais fácil de se infectar com o hiv; não sabem o que seus políticos fazem quando estão no cargo.

Em segundo lugar , os pobres são responsáveis por demasiados aspectos de suas vidas. Quanto mais rico o indivíduo for , mais decisões “ certas ” serão tomadas por ele. Os pobres não têm água encanada e , portanto , não se beneficiam do cloro que a prefeitura coloca no abastecimento de água. Se quiserem água potável, eles mesmos têm de purificá-la. Não podem pagar por cereais matinais fortificados prontos e, portanto, têm de tomar medidas para que seus filhos recebam nutrientes suficientes. Eles não têm um meio automático de economizar, como um plano de aposentadoria ou uma contribuição para a previdência social, então precisam encontrar um jeito de garantir que vão economizar. Essas decisões são difíceis para todos porque requerem alguma reflexão agora ou algum outro pequeno custo hoje , e os benefícios são geralmente colhidos num futuro distante.

Em terceiro lugar, há boas razões para a ausência de alguns mercados voltados aos pobres, ou para que os pobres enfrentem preços desfavoráveis neles. Os pobres obtêm uma taxa de juros negativa em suas contas de poupança ( se tiverem a sorte de ter uma conta ) e pagam taxas exorbitantes sobre seus empréstimos (se puderem obtê-los), porque administrar até mesmo uma pequena quantidade de dinheiro implica um custo fixo. O mercado de seguro-saúde para os pobres não se desenvolveu, apesar dos efeitos devastadores de sérios problemas de saúde em suas vidas , porque as opções limitadas de seguro que podem ser sustentadas no mercado (seguro – saúde catastrófico , seguro climático padrão) não são o que os pobres querem.

Em quarto lugar , os países pobres não estão fadados ao fracasso porque são pobres ou porque tiveram uma história infeliz . É verdade que muitas vezes as coisas não funcionam nesses países : programas destinados a ajudar os pobres acabam nas mãos erradas , professores ensinam desordenadamente ou não ensinam , estradas enfraquecidas pelo roubo de materiais desabam sob o peso de caminhões sobrecarregados e assim adiante .

Por fim, as expectativas a respeito do que as pessoas são capazes ou incapazes de fazer muitas vezes acabam se transformando em profecias autorrealizáveis. As crianças desistem da escola quando seus professores (e às vezes seus pais) lhes sinalizam que não são inteligentes o suficiente para dominar o currículo; vendedoras de frutas não se esforçam para pagar suas dívidas porque esperam que se endividarão muito rapidamente;

Apesar dessas cinco lições, estamos muito longe de saber tudo o que podemos e precisamos saber.

Se resistirmos ao tipo de pensamento preguiçoso e padronizado que reduz todos os problemas ao mesmo conjunto de princípios gerais; se ouvirmos os próprios pobres e nos forçarmos a compreender a lógica de suas escolhas; se aceitarmos a possibilidade de erro e sujeitarmos todas as ideias, inclusive as aparentemente mais sensatas, a testes empíricos rigorosos, seremos capazes não apenas de construir um conjunto de políticas eficazes , mas também de entender melhor por que os pobres vivem da maneira como vivem.

Podemos não ter muito a dizer sobre políticas macroeconômicas ou reformas institucionais, mas não se deixe enganar pela aparente modéstia do empreendimento: pequenas mudanças podem ter grandes efeitos. Vermes intestinais podem ser o último assunto que você deseja abordar num encontro amoroso, mas crianças no Quênia que tiveram seus vermes tratados na escola por dois anos , em vez de um ( ao custo de us $ 1,36 ppc por criança e por ano , tudo incluído ), ganharam 20% a mais a cada ano quando adultas, o que significa us $ 3269 ppc ao longo da vida.

Também não temos um botão para desligar a pobreza , mas , uma vez que aceitemos isso, o tempo está do nosso lado. A pobreza está conosco há muitos milhares de anos; se tivermos que esperar mais cinquenta ou cem anos para o fim da pobreza, que assim seja . Podemos, pelo menos, parar de fingir que existe uma solução à mão e, em vez disso, dar as mãos a milhões de pessoas bem – intencionadas em todo o mundo — autoridades eleitas e burocratas, professores e trabalhadores de ongs, acadêmicos e empresários — na busca pelas muitas ideias, grandes e pequenas, que por fim nos levarão a um mundo onde ninguém tenha de viver com 99 centavos por dia