Autor: Mario Cortella
Lido em maio de 2020

Viver em paz não é viver sem problema ou dificuldade. Viver em paz é viver com a certeza de que não está vivendo de forma morna. Se você não existisse, que falta faria?

Existe uma obsessão consumista, uma ideia de que eu sou aquilo que eu tenho, e não é verdade. Eu sou aquilo que eu faço, relaciono, convivo com outros. Afinal de contas, o que vale na vida é ser importante. Não necessariamente ser famoso.
Importante é aquela pessoa que é importada por outra. Isto é, que a pessoa leva para dentro. Isso significa importar. Tem muita gente na tua vida que é importante, mas não é famosa. A pessoa importante faz falta.
Eu, Cortella, quando me for, quero fazer falta. Fazer falta não é sempre ser famoso. Fazer falta significa que eu tenha ficado nas pessoas. E isso não necessariamente tem a ver com o que eu tenho.

Mas o ter não é decisivo. O ter é como uma escada. Ninguém tem uma escada para ficar em cima dela ou grudado nela. Você tem uma escada para ir a algum lugar. E o lugar que o ter deve nos levar é o ser. Se ele não nos leva a sermos solidários, a sermos fraternos, a sermos amigos, a sermos decentes, então, para quê?
É preciso pensar nisso e fazer-se importante, para viver e morrer em paz…

Cap 1 – O que se aprende com o óbvio

Podemos aprender que ninguém nasce pronto e vai se desgastando. Nós nascemos crus e vamos nos fazendo.

Fazendo um parênteses, eu viajo muito de avião e não gosto quando há pessoas muito famosas a bordo. Fico imaginando que, se houver um acidente fatal, quando divulgarem a lista de passageiros, as pessoas só vão prestar atenção nos nomes ilustres, e eu serei “rebaixado”, entrarei apenas na relação do “e outros”, no pé da página do jornal. E nem eu nem ninguém quer ser reconhecido, seja na vida ou na morte, como apenas “mais um”. Quer ser identificado como alguém especial.

Quando escrevemos, nunca sabemos como seremos interpretados. Às vezes escrevo algo com a certeza de que aquilo vai chamar a atenção, mas as pessoas só dão importância a algo a que não dei muita bola. É como se eu estivesse interessado no recheio e o leitor, na massa da empada, ou o contrário. Isso mostra que raramente a gente tem controle, mesmo em algo que antes parecia ser bastante previsível e, portanto, controlável.

Cp 2 – Escrever, para apaziguar…

Dos vários modos que existem para aprender a viver melhor, um dos que mais aprecio é a escrita. Para escrever, é preciso pensar. Para escrever bem, é preciso pensar bem. Escrever ajuda a elaborar o raciocínio, a sublimar emoções, a organizar o mundo. A escrita tem funções que muita gente não imagina; é útil nas situações mais diversas e inusuais. A humanidade faz isso há séculos: para espantar seus fantasmas, ela escreve.

O conflito é inerente à convivência humana – conflito é uma divergência de posição, de postura, de ideias, de atitudes. Conflitos são inevitáveis. O que não pode acontecer é que o conflito se transforme em confronto, que vem a ser a tentativa de anular o outro. Uma
guerra nunca é um conflito; é sempre um confronto. Três crianças juntas têm muitos conflitos, e isso é normal. O que não pode é que esses conflitos degenerem em confrontos.

Relato da estratégias para aliviar as brigas entre os 3 filhos enquanto os pais trabalharam fora: livro de ocorrências com direito a reclamações e réplica do ofendido.

Era uma espécie de versão em papel de um “tribunal de pequenas causas”. Sua principal função era acompanhar a rotina e ajudar a apagar incêndios.

Cp 3 – A diferença está na atitude

Normalmente, quando uma criança chega da escola, a mãe, ou o pai, chama-o e pergunta, parecendo que está fazendo uma auditoria: “E aí, filhão, o que você aprendeu hoje?”. Mas dá para fazer muito melhor mudando a pergunta: “E aí, filhão, o que você pode me ensinar hoje?”. A resposta provavelmente será a mesma. A diferença está na atitude. Isso vale para a família, para a comunidade, para as empresas. Auditoria é a caça ao culpado para aplicar punição enquanto avaliação é análise de processos para alcançar melhorias.

O maior prazer do ser humano, não importa a idade, é falar de si mesmo. Outro grande prazer é ensinar, pois é uma afirmação de valor, do seu próprio valor.

Se os pais demonstram interesse sincero pelo que o filho pode lhes ensinar, imediatamente
cria-se uma ponte, estabelece-se uma conexão. Há aqui uma constatação óbvia, mas que muitas vezes é negligenciada: só sabe ensinar quem sabe aprender. Se eu peço a um jovem que me ensine alguma coisa, isso gera não só uma oportunidade para que ele se valorize como também cria uma predisposição para que ele me escute na hora que quero ensinar algo.

Pais e filhos aprendem a sê-los juntos e se ensinam reciprocamente – o pai ensina ao filho ao mesmo tempo em que o filho vai ensinando o pai a ser pai. A própria relação faz com que um mude o outro. Eis, inclusive, uma coisa que vale para todas as relações pessoais, o que torna ainda mais curiosa aquela frase em tom de reclamação que todo mundo ouve mais cedo ou mais tarde, aquele fatídico “quando eu te conheci, você não era assim”. Mas é claro que eu não era!
Pois, quando eu te conheci, eu era “sem você”. E, quando eu me tornei alguém “com você”, passei a ser diferente, pois não sou impermeável a mudanças. A convivência traz mudanças.

Cp 4 – Saudade e nostalgia, raízes e âncoras

A nostalgia ficou sendo a dor da volta, a dor daquilo que já se foi, mas continua doendo.
Todos nós temos raízes e também âncoras. O problema é quando as âncoras superam as raízes. O nostálgico amarga e sofre; o saudoso se alegra, pois ele deixa fruir aquilo que viveu. O nostálgico se aproxima daquilo que os antigos chamavam de melancolia e que hoje é chamado de depressão, esse perigo. Vez ou outra, é preciso fazer um “balanço” de mim mesmo, de modo a ver se estou sendo puxado para a as raízes ou para as âncoras, para a saudade ou para a nostalgia, para a alegria ou para a depressão.

Percalços são inevitáveis. Toda vida é composta por erros e acertos, por dores e delícias. A maioria das pessoas acredita piamente que aprende com os erros. Cautela com isso. Na minha opinião, aprendemos é com a correção dos erros; se aprendêssemos com os erros, o melhor método pedagógico seria errar bastante.

Cp 5 – Experiência e imprevistos

Almeje o que há de bom, mas esteja preparado para imprevistos, pois eles acontecem em todos os lugares, mesmo naqueles ambientes que você supostamente domina.

Cortella conta de sua experiência ao dar uma palestra para estudantes cegos e seus aprendizados.

Uma aula produtiva não é aquela em que as pessoas falam o tempo todo. É aquela em que as pessoas participam mentalmente, raciocinam, refletem, se emocionam e, eventualmente,
têm algo a dizer.

Cp 6 – O acolhimento da discordância

Prestar atenção no outro de maneira sincera, eis um aprendizado que devemos procurar desenvolver nas nossas relações.

A concordância faz com que permaneçamos estacionados. A discordância faz com que cresçamos. A palavra “concordância” vem de cor, “coração”, e significa unir os corações. Discordar, por sua vez, é promover a separação dos corações, algo que possibilita o desenvolvimento pessoal.Citou o exemplo do pai aceitar e apoiar que ele torcesse para o time diferente do seu pai. Respeitar o time de futebol alheio é uma maneira soberba de ensinar a respeitar e a acolher as ideias, as posições e as perspectivas do outro.

Cp 7 – O raio da paixão e a construção do amor

Uma pessoa que te ama é aquela que guarda o teu amor consigo. Quando ela deixa de te amar, ela também deixa de guardar o teu amor dentro dela.
Assim, o amor é uma sensação de pertencimento recíproco que almeja a plenitude. No fundo, o amor é uma identidade, pois eu me encontro no outro ou na outra. O amor tem turbulências, mas ele não é confrontante, e sim conflitante.
O amor, ao contrário da paixão, oferece paz – sendo que paz não é ausência de conflitos, e sim a capacidade de administrar conflitos para que não haja ruptura. Assim, se você consegue guardar o meu amor, se cuida dele, eu fico. Mas, se não cuida nem o guarda, eu parto. Há também os casos em que o amor não é cuidado nem guardado, mas a pessoa resolver ficar mesmo assim. Nesses casos, isso é conveniência, e não convivência.

Ao contrário do amor, a paixão não tem a ver com o outro, e sim com você mesmo, com a sua obsessão por uma pessoa ou situação. Há pessoas que são viciadas em paixão, na adrenalina da paixão, para alimentar uma necessidade que só pertence a si mesmo, e não ao outro.
Ninguém é isento de paixão, mas é preciso ter em mente que a paixão é eventual e rápida.

Cp 8 – Viver em paz (tive dificuldade de entender a lógica desse capítulo)

O amor é um produto da convivência, da admiração, do pensar sobre o outro, do sentir a ausência de maneira calma, e não em desespero. Por isso, uma vida em paz é uma vida com amor, uma vida que surge depois que a energia explosiva da paixão se converte em amor perene.

Obedecer ao coração não é ser dominado pelo coração, não é excluir a razão.
Obedecer ao coração é agir em equilíbrio, numa parceria entre o coração e a razão. Para mim, o equilíbrio ideal é aquele da bicicleta, o equilíbrio que só existe quando se está em movimento.

Cp 9 – A ecologia, o apego e o erotismo

Algumas concepções orientais milenares pregam o desapego ao mundo. Mas, para proteger algo ou alguém, é preciso ter apego. Como proteger e cuidar sem apego?

É por me apegar, por exemplo, à beleza da natureza que quero protegê-la. A falta de erotização das campanhas em prol da natureza resulta que, para um jovem, a única coisa que se entende é que ele precisa abrir mão de alguma coisa para salvar o planeta. E abrir mão inevitavelmente significa gerar desinteresse.

Para piorar, em ecologia trabalha-se com a noção de que “vai acontecer”, em vez de “está acontecendo”. Com esse discurso, é praticamente impossível fazer com que alguém que tem 20 anos de idade se preocupe com algo que pode acontecer daqui a cinquenta anos.

O meu equilíbrio, por sua vez, só pode existir se tenho apego também a mim mesmo.

Cp 10 – A graça da vida

Uma das questões mais intrigantes da humanidade é sermos capazes de tirar a nossa própria vida. Se o equilíbrio está no apego a si, o suicídio está no desapego à vida, no nada mais me importa.

Quando algo é de todos, também é de ninguém. E, se é de ninguém, também não é meu. Se não é meu, minha relação com ele será de indiferença. Por que jardins e quintais são cuidados? Porque pertencem a alguém, e esse alguém cuida deles, da mesma forma que algumas praças são adotadas por empresas ou associações de bairro. Se não fossem, seriam terrenos baldios, de todos e de ninguém.

A vida em paz é a vida cheia de graça, enquanto a vida em tormento é a vida desgraçada.

Cp 11 – A sociedade da exposição

Por falar em diferenças e igualdades, o fato de vivermos em metrópoles – em cidades altamente povoadas, onde a convivência se dá em aglomerados imensos – cria automaticamente uma situação de anonimato para seus habitantes. Pela simples condição numérica, por ser um entre milhões, todo cidadão se torna anônimo, sem identidade, invisível.

Aquele que quer ficar quieto no seu canto não constrói uma vida de exposição. Assim, para não serem esquecidas, as pessoas fazem músicas, escrevem livros, tatuam o corpo, participam de comunidades virtuais, mergulham no Twitter, criam blogs.

Cp 12 – Como me tornei eu mesmo

Ele relata sua trajetória de incentivo a leitura desde pequeno por seus pais, de ter mantido esse hábito durante todo o tempo e ter aperfeiçoado ainda mais quando teve hepatite.

Bem, para ser “filósofo”, é preciso gostar de ler, ter dedicação ao mundo das ideias, o que eu fazia desde os 7 anos. Agora, vem a revelação de um desejo: à medida que fui crescendo, tinha uma intenção clara – servir à humanidade.

Ele teve experiência de morar em um convento.

Ali, aprendi a viver com menos, a levar uma vida mais simples. Aprendi a respeitar a hierarquia e a ter disciplina, vivendo sob a ditadura do relógio, pois a Igreja preza a divisão do tempo, com horários rígidos para acordar, rezar, fazer tarefas, dormir. Aprendi muito com o estudo, consolidei minha formação, aprendi idiomas.

Cp 13 – A criação de diferenciais

O desejo de não ser esquecido assumiu muitas formas no mundo moderno. A “identidade pública” é um dos maiores desejos da modernidade. Por isso, tantas garotas pagam agências e fotógrafos para fazer um book. Se uma mãe já não tem idade para desfilar nas passarelas, tenta a todo custo que sua filha tenha a exposição que ela não teve. Se alguém foi viajar, faz questão de postar as fotos que tira num blog ou numa comunidade virtual.

No desespero para se destacar na multidão, a única chance que resta é criar um diferencial – e, nesse jogo, parece que agora vale tudo.

Cp 14 – Fabricação do passado, anseio de futuro e
desespero do consumo

Desde sempre, e mais ainda nestes tempos, nossos grandes medos vêm do escuro. O homem não teme o que vê, mas o que não vê.

Cp 15 – Evolução nem sempre é para melhor

O autoconhecimento é um processo necessário e fundamental para a melhoria de si mesmo – um processo interminável, pois tudo o que acontece à nossa volta nos afeta e nos transforma.

Se nós acreditamos que a humanidade sempre evoluirá para melhor, a tendência é esquecermos a natureza deletéria do homem, esquecermos que ele é um animal destrutivo. Assim, até a própria noção de ecologia fica prejudicada, uma vez que as pessoas cultivam uma esperança vã de que a humanidade só vai melhorar e de que, portanto, todos os transtornos causados pelo homem – efeito estufa, mudanças climáticas, poluição, desequilíbrio da vida – são ritos de passagem para um mundo melhor.

Bem, no mínimo, isso é uma postura arrogante e, certamente, errada. É preciso ter esperança, mas não tem cabimento não fazer nada para mudar a situação e achar que, por pior que seja, vai melhorar no final.

É por tais razões que evolução não necessariamente é melhoria – e nem autoconhecimento.

Cp 18 – Desejo, necessidade, vontade

A felicidade está em enxergar o proibido, não em praticá-lo.

Assim é o mundo: a noção do proibido, o impedimento de fazer algo, aumenta o gosto e o desejo – da mesma forma que o desejo só existe enquanto não é saciado.

Há uma grande diferença entre desejo, vontade e necessidade. Desejo é um impulso vital. Vontade é uma carência transitória, a inclinação em direção a algo num certo momento. A necessidade é uma urgência.

Uma necessidade é satisfeita, uma vontade é suprida. Uma pessoa tem necessidade de comer, de beber, de ganhar a vida. Tem vontade de comer pipoca, de tomar guaraná no final da tarde, de encontrar alguém, e essas vontades desaparecem quando a carência é suprida. Já o desejo é uma energia
constante, aquilo que impulsiona uma pessoa, algo que ela não pode deixar de ter em seu horizonte.
O desejo não é um estado, não é um lugar aonde eu chego. O desejo é o horizonte, é aquilo que norteia, mas nunca se alcança.

No dia em que você se for, essas questões irão embora com você. O que permanecerá de você no mundo? Permanecerá o seu legado. Permanecerá aquilo que você ensinou, aquilo que “ensignou”, as marcas que deixou. Permanecerá a sua verdade e a sua essência.

Cp 19 – Razões da existência

Cada pessoa tem, claro, seu próprio modo de pensar as coisas.

Viver em paz não é viver sem problemas, sem atribulações, sem tormentas. Viver em paz é viver com a clareza de estar
fazendo o que precisa ser feito, ou seja, não apequenar a própria vida e nem a de outra pessoa, ou qualquer outra vida. Viver em paz é repartir amizade, lealdade, fraternidade, solidariedade, vitalidade.

sarahjsena

sarahjsena

Pedagoga e mestre em psicopedagogia pela Espanha, tem experiência há 10 anos com atendimentos individualizados com crianças, atuei na Secretaria de Educação há 7 anos com pessoas com deficiência.

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