Sobreviventes

Domingo, dia 13 de março de 2016

Eu e a Laura fazíamos aula de caiaque comunitário na UnB, e decidimos ir em um passeio da descida de caiaque nos rios Paranoá e São Bartolomeu após ver o convite do evento no Facebook. Tinha chovido no dia anterior, eu sabia que não tinha como ter uma tromba d’água num rio que é abastecido da abertura da comporta do Lago Paranoá, mas meu receio era “e se abrirem essa comporta?”, quando chegamos no ponto de encontro logo cedo, perguntei ao instrutor:

– Não tem risco de abrirem as comportas do lago durante o passeio?

– Quando isso acontece toca uma sirene e o volume de água que aumenta é quase imperceptível. Qualquer pessoa pode fazer esse passeio. Ele respondeu.

Lá fomos nós, éramos 8 aventureiros, Flávia Camargo, Flávia Oliveira, Lili, Rosana, Henrique, Rodrigo, todos já se conheciam, eu e Laurinha no pacote e mais 2 instrutores. A correnteza estava forte, e o espaço no rio para passagem com o caiaque era estreito, pois estava cheio, e tinha muitas árvores havia sido cobertas nas laterais.

Logo no início, um ou outro caía na água, mas mesmo sem nos conhecer, nos ajudávamos porque o passeio estava divertido. Tentei segurar um caiaque de um colega que tinha virado, e acabei virando também, quando senti a força da água me levando, aquela dificuldade para voltar para o caiaque, pensei “eu não ajudo mais ninguém” rs

Começamos a nos distanciar uns dos outros, e não dava para esperar por conta da correnteza. Foi quando o Henrique “sumiu”, ele não era “meu” amigo, mas rolou uma leve preocupação. Resolvemos remar mais forte para ir mais rápido e encontrá-lo, durante o trajeto, vi o caiaque verde dele virado para baixo encostado na margem, senti uma aquela sensação horrível e pensei “não estou pronta para ver ninguém morto”. Seguimos remando, pois alguém disse que ele deveria estar mais para frente.

Em uma das curvas do rio, a Flávia Camargo estava “manobrando” o caiaque e gritou “Puta que pariu”, pensei “deu ruim”. Quando vi, era um amontoado de água, parecia um redemoinho, queda, sei lá, não dava para ver bem na frente… Rapidamente pensei “vou prender meu caiaque nos galhos e gritar para o pessoal ir ficando pela margem”, parecia até inteligente, né?

Mas quando me joguei nas árvores na margem, meu caiaque rosa ficou, mas ele virou e eu fui sendo levada pela água, ainda bem que estávamos com colete e capacete, mas quando olhei para trás, já era. Fui sendo levada pela água, tomei uns caldos, bebi água e fui sendo conduzida sem querer. A Flavinha também caiu do caiaque, tentamos segurar nele por um tempo, mas não dava para ver o que tinha na frente.

Ouvi uma voz dentro de mim “vai cair em você”, instantes depois, outro redemoinho (creio que é isso né?) de água, vi o caiaque amarelo subindo e vindo para cair na minha cabeça, afundei e passei por baixo dele. Perdemos o outro caiaque. Eu já estava super agoniada, pensando que horas que eu ia ficar presa em algum galho ou algo debaixo da água e morrer. A Flavinha dizia “calma, não precisa gastar tanta energia”. Fomos levadas pela água por não sei quanto tempo, mas para mim foi uma eternidade. Quando tive oportunidade, nadei forte para a margem e sai tremendo da água.

Quando olhei para trás a Laura estava sendo levada pela água e gritando “Socorro”, pensei, vou ser culpada da morte dela! Pensei em voltar para ajudar, mas o instrutor disse que estava iria pegá-la. Gritei da margem para todos “Eu sou a Sarah e estou indo buscar ajuda”

Comecei a correr no mato fechado, descalça, com colete e o capacete. Correndo e chorando, pedia a Deus para que ninguém morresse, principalmente a Laura, até porque me sentiria muito culpada. Eu não sei bem por quanto eu corri e caminhei, mas foi suficiente para chupar a água da camisa porque estava com sede, ter medo do cavalo que ficou me encarando (mas pensei, já estou na pior, se ele quiser brigar comigo, nem força eu tenho para subir na árvore), deixar o capacete e colete no caminho, pensar em como fazer uma fogueira caso ficasse a noite e que eu deveria ficar num campo aberto, para um helicóptero poderia me achar.

Cheguei em uma casa muito humilde, desesperada, eu pedi um telefone, a moça viu meus pés machucados da trilha, me emprestou um chinelo (você não tem ideia do tanto que aliviou meus pés) e um celular que eu liguei para os bombeiros, que disseram que já tinham sido notificados) e para meu pai que achou que era um trote.

Eu estava mais ou menos em Sobradinho dos Melos, disseram que isso é longe, mas até hoje não sei onde é. Um senhor maravilhoso iria me acompanhar até a estrada de asfalto, mas durante a caminhada na estrada de chão, um carro me deu carona até o balão do Paranoá, onde me encontraram. Eu não tinha notícias do pessoal, e esse era meu maior medo.

Depois de horas, quando nos encontramos, era uma mistura de sentimento de alívio por estarmos bem, no máximo com ralados e machucados, mas querendo matar os instrutores pela aventura conturbada e sem estrutura. Alguns foram resgatados pelo meu pai, outros pelos bombeiros e outros por um amigo meu.

Quando eu cheguei em casa, minha família queria me matar porque eu disse de manhã “vou ali fazer caiaque no lago”. Depois dessa eu aprendi a dar informações completas, deixar contatos de emergência, e se preciso, enviar a localização, se a atividade for de risco.

Depois que tudo passou a gente até ri, temos um grupo chamado “Sobreviventes” e dissemos que deveríamos ter saído nos jornais. Eu agradeço a Deus demais, porque morri de medo de perder algum desses queridos! O que não te mata, te fortalece, porque eu sei que todo mundo saiu com um aprendizado. Prontos para a próxima? Um beijo e um cheiro em cada um!